Escola em greve. Manifestações
nas ruas. Dividida entre a luta por melhores condições de trabalho e a espera
dos alunos pelas aulas que não têm. Participo das assembleias. Há momentos em
que a revolta e a vontade de desistir são grandes. Os vandalismos vêm se
tornando cada vez mais frequentes e o movimento perdendo sua força. Muitos
amigos enfrentam a polícia agressiva que se faz boazinha e abusa de sua
condição de autoridade.
Ontem, um silêncio incômodo tomou
conta da avenida onde os professores se encontravam. Calados, andávamos em
filas organizadas em direção ao palanque em que alguns líderes nos esperavam
juntos com artistas e repórteres que apoiam e valorizam o evento. De repente,
os PMs interromperam a caminhada, bloqueando a rua, impossibilitando-nos de
prosseguir. Não havia gritos nem qualquer tipo de pronunciamentos, estávamos como
em procissão.
Ao fugir da confusão armada pela
arbitrariedade policial, fui atingida nos olhos pelo spray de pimenta. Cega e
com muitas dores, corria de um lado para outro sem destino certo, até que fui
arrastada por alguém até a portaria de um prédio onde fui socorrida. Nada mais
ardia do que a covardia que corroía os brios de quem sabe de seus deveres e
deseja ter, garantidos, seus direitos.
Passaram leite em meus olhos e os
lavaram com soro. Sem enxergar por um bom tempo, tomada de aflição e rebeldia,
queria sair dali e seguir, mas não conseguia. Pessoas generosas me acudiram,
tentavam me acalmar os ânimos e me perguntavam onde eu morava, com quem eu
estava, se queria que me levassem até a casa...
Eu, atordoada, pensava nos
ensinamentos de minha vó. Aprendi o respeito como base de uma sociedade justa, solidez de um vínculo de confiança... Minha Eloah era sábia, mas naquele
instante, tudo que me ensinara parecia em vão. Eu, em passeata, respeitava os
limites da cidadania participativa ativa, porém ordeira, agia de forma
civilizada e fui abatida pela ignorância de um poder autoritário que se diz democrático.
Ouvia o espocar das bombas e me
recordava, também das histórias do meu vô Samuel sobre as fugas hilárias e
sofridas nos tempos da guerra. Sentia-me em um campo de batalha, perdidamente só,
entre companheiros pacifistas que se preocupavam em ajudar sobreviventes. Órfã,
engolindo meus ideais, digerindo, à força, tamanha estupidez.
Recuperada, agradecida aos que
ficaram ao meu lado e me acolheram, retornei ao meu ninho, onde descanso meu
corpo, abrigo minha alma, mantenho-me protegida dos pensamentos e lembranças
maléficos aos meus sonhos de uma educação pública de qualidade, de alunos
pensantes, de uma aprendizagem centrada em significados reais à vida de quem
precisa saber ler o mundo, encontrar meios de compreendê-lo e transformá-lo. Veio-me à mente as palavras de Paulo Freire.
“Os opressores, falsamente
generosos, têm necessidade, para que a sua "generosidade" continue
tendo oportunidade de realizar-se, da permanência da injustiça.”
Logo, um bom banho, um leite quente - Ih! Nem falei:
comprei um micro-ondas! - e minhas orações me trariam à calma novamente...
O meu colchão me aguardava,
e no sono dos justos, o descanso.
Amanhã? Deixei que o alvor do dia brilhasse em
minha janela antes de qualquer pressuposição ou planejamento. Quem sabe despertaria
animada e retornaria às assembleias em prol do retorno às aulas. Os alunos precisam de seus professores presentes para que possam entrar e
contato com o sabor do aprender.
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