15 de novembro de 2013

[502] Desabafo




Dez a quinze minutos para organizar a turma e começar a aula. Quando não mais para controlar o uso dos aparelhos eletrônicos espalhados pela sala.
Metalinguagem: silêncio pelo silêncio.
_ Ih! Caralho! – solta um lá no fundo.
Todos riem e a confusão recomeça.
_ Quê?
_ Foi mal, professora. Tô guardando já.
_ Desliga.
_ Já disse que tô acabando.
_ DES – LI – GA...
Silêncio.
A hora da verdade. Quem fez e quem não fez a atividade... Alguns, poucos, já se encontram com todo material em cima da mesa e o dever pronto para autocorreção. Uma grande maioria ainda nem pegou nada, isso se estiverem com eles ali na mochila ou no armário.
_ Vou passar pra ver.
_ Posso beber água?
_ Eu pedi primeiro.
_ Não, esperem acabar a aula. Vocês acabaram de chegar do intervalo!
Começam as desculpas... “Não fiz, tá na semana de testes e não tá dando tempo de fazer dever não.”, “Esqueci o livro na casa do meu pai e eu tava na casa da minha mãe.”, “Ah, copiei a página errada.”, “Só você dá dever todo dia!”. E por aí vai.
Desisto.
_ Ok. Dessa vez passa, mas vão copiar as respostas na autocorreção. Aqueles que não fizeram e os que não trouxeram o material.
_ Posso sentar com ela pra acompanhar?
_ Não. Vou colocar as respostas no quadro, não disse? - Já se sabe que muitas vezes não se traz ou se diz que não se traz o material para poder sentar com o amigo. - Quem teve dúvida me diz que eu explico de novo, tá?
_ Não entendi nada desse texto.
_ Te ajudo.
_ Vou ao banheiro.
_ Espera, se eu deixar você, tenho de deixar todo mundo.
_ Porra, mas eu preciso.
_ Quê?
_ Desculpa.
Enquanto isso, um na carteira da fileira da direita dorme. O outro, bem no meio da sala, vira o corpo e fica de costas para mim e, em altos papos com os colegas, gargalha e pega o celular. Um grupinho do fundo, aos risos, comenta sobre o que nem quero saber naquele momento...
Irritação.
Metalinguagem novamente: silêncio pelo silêncio.
Todos percebem e ficam quietos.
Toca o sinal...
_ Já acabou a aula...
_ Eu sei.
Saio com um sentimento de dever não cumprido. Saem todos atrás de mim, sem respeitar o inspetor que se encontra na porta, aguardando a chegada do novo professor.
Dirigindo-me à sala onde daria a próxima aula, encontro vários alunos no corredor.
Dez, quinze minutos para organizar...
Dessa vez a missão foi interrompida por uma confusão entre alguns alunos que brigavam por algo que não sei bem o quê.
Interfiro. Tento acalmá-los, mas a voz dos alunos está mais alta do que a minha. Tento a metalinguagem. Nada. Falo mais alto:
_ METALINGUAGEM... – alguns completam em uníssono: “O SILÊNCIO PELO SILÊNCIO.”, e, aos poucos, as coisas vão se acertando.
É dia de dar a nota dos trabalhos. Os alunos que não apresentaram poderiam trazer em outro dia, valendo metade dos pontos.  Um encrenca. Desrespeitou o prazo, faz uma malcriação infantil. Relevo. Diz que faria e me mandaria por e-mail.


_ Tudo bem. Mas vai valer a metade dos pontos em respeito aos amigos que cumpriram os prazos.
De forma agressiva, começou a criar confusão. Chegou a afirmar que mandaria a mãe enviar o trabalho para coordenação e que eu seria OBRIGADA (com tal intensidade que me tirou do sério) a dar a nota, senão eu que me demitisse.
Respirei fundo. Uma aluna se pronunciou:
_ Não estou ouvindo isso...
_ Está sim, disse, mas vamos resolver esse problema depois.
O aluno não parou e, fazendo com que seus colegas entrassem no jogo, continuou com a ameaça.
Peço que se cale. A turma já se desorganizara e ficara dividida, uns contra e outros a favor do coitado.
Falo firme, exijo silêncio, dessa vez sem permitir interrupções. Reafirmei a combinação já estabelecida.
Bate o sinal. Não precisam me avisar que a aula acabou e que já está na hora. Quem sai sem dizer nada sou eu.
No coração, um vazio. Um sentimento de frustração e impotência diante de tamanha falta de respeito e de educação.


Professor... Quem é o professor? Há um tempo eu saberia responder. Hoje... Hoje, não sei não...

Um comentário:

  1. Íris vem aí questionando o fato de ser professora hoje, nesse mundo de interesses diversos, relegando cultura a segundo plano #revolta

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