1 de fevereiro de 2014

[201] Oitavo Episódio: Entre o antes e o depois


cumulou-se uma pilha de correspondência na pequena sala do (ainda) meu apartamento no Edifício Cinza. Algumas abertas e não lidas, algumas abertas e lidas com atenção, outras que já jaziam na sacola de mercado dentro da lixeira. Livrei-me de tudo aquilo que remetia à vida religiosa: as imagens espalhadas pela casa, alguns volumes da Liturgia das Horas e outras tantas coisas mais. Joguei-as pelo vão de lixo no meu andar e, com algum prazer e uma dose de persistente receio, pude ouvir as imagens quebrando dentro do saco preto bem amarrado. “Se eu morrer esquartejado e meus pedaços forem encontrados em sacolas, dirão que foi castigo” – pensei sorrindo e dando de ombros. 

No grupo das cartas abertas e lidas, estava uma de minha irmã, Lúcia:
“agora vejo que tive de fato razão quando nunca chamei-lhe de frei ou de padre, seja lá o que for. Nosso pai, certamente, sentiria grande prazer se ainda estivesse vivo. Bem, talvez o fato de que ele não esteja mais aqui seja um adianto pra você rever sua irmã e sua mãe, que tanto sentiram sua falta. Mamãe está esperançosa, nunca a vi feliz assim desde o dia em que partiu. É irônico que alguém tenha capacidade de acreditar que deus está em um pedaço de pão e que pode-se comê-lo não acredite no amor de sua família.”

Havia também outra, de Frei Marcos, uma espécie de mentor meu durante os tempo de seminarista:
            “Eu havia alertado, caro Otávio, que a Cidade é um antro de promiscuidade. É uma pena que você tenha sucumbido diante disso, mas ainda esforço-me para ver o que é possível fazer em seu favor.”

 Ele não sabia que eu não estava interessado neste tipo de ajuda. O que mais me preocupava era de cunho estritamente prático: o que fazer para sobreviver? Como me encaixar nesta dinâmica secular e ganhar dinheiro? Eu não precisava de muito para sobreviver, porém não sabia fazer muito mais que homilias, atender confissões e capinar.

            - Já se livrou do clesma e das imagens, agora só precisa se livrar de alguns maus hábitos, como acordar tão cedo.
            Mesmo recém-acordada pelo meu barulho, ela já caminhava com graça, quase dançava e seus seios, livres, mexiam-se delicadamente ao comando de suas longas e brancas pernas; tinha o charme e a leveza de um gato de subúrbio. Não estava acostumado a uma mulher próxima de mim e era sublime vê-la vestida apenas pelas listras de raios de sol que atravessavam as persianas. Mais urgente que decidir o que fazer da vida era juntar meu corpo ao dela e sentir um gozo que Deus jamais proporcianaria.

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