cumulou-se uma pilha de correspondência na pequena sala do
(ainda) meu apartamento no Edifício Cinza. Algumas abertas e não lidas, algumas
abertas e lidas com atenção, outras que já jaziam na sacola de mercado dentro
da lixeira. Livrei-me de tudo aquilo que remetia à vida religiosa: as imagens
espalhadas pela casa, alguns volumes da Liturgia das Horas e outras tantas
coisas mais. Joguei-as pelo vão de lixo no meu andar e, com algum prazer e uma
dose de persistente receio, pude ouvir as imagens quebrando dentro do saco
preto bem amarrado. “Se eu morrer esquartejado e meus pedaços forem encontrados
em sacolas, dirão que foi castigo” – pensei sorrindo e dando de ombros.
No grupo das cartas abertas e
lidas, estava uma de minha irmã, Lúcia:
“agora vejo que tive de fato razão
quando nunca chamei-lhe de frei ou de padre, seja lá o que for. Nosso pai, certamente,
sentiria grande prazer se ainda estivesse vivo. Bem, talvez o fato de que ele
não esteja mais aqui seja um adianto pra você rever sua irmã e sua mãe, que
tanto sentiram sua falta. Mamãe está esperançosa, nunca a vi feliz assim desde
o dia em que partiu. É irônico que alguém tenha capacidade de acreditar que
deus está em um pedaço de pão e que pode-se comê-lo não acredite no amor de sua família.”
Havia também outra, de Frei
Marcos, uma espécie de mentor meu durante os tempo de seminarista:
“Eu havia alertado, caro Otávio, que a Cidade é um antro de promiscuidade. É uma pena que você tenha sucumbido diante disso, mas ainda esforço-me para ver o que é possível fazer em seu favor.”
“Eu havia alertado, caro Otávio, que a Cidade é um antro de promiscuidade. É uma pena que você tenha sucumbido diante disso, mas ainda esforço-me para ver o que é possível fazer em seu favor.”
Ele não sabia que eu não estava
interessado neste tipo de ajuda. O que mais me preocupava era de cunho
estritamente prático: o que fazer para sobreviver? Como me encaixar nesta dinâmica
secular e ganhar dinheiro? Eu não precisava de muito para sobreviver, porém não
sabia fazer muito mais que homilias, atender confissões e capinar.
- Já se
livrou do clesma e das imagens, agora só precisa se livrar de alguns maus hábitos,
como acordar tão cedo.
Mesmo recém-acordada
pelo meu barulho, ela já caminhava com graça, quase dançava e seus seios,
livres, mexiam-se delicadamente ao comando de suas longas e brancas pernas;
tinha o charme e a leveza de um gato de subúrbio. Não estava acostumado a uma
mulher próxima de mim e era sublime vê-la vestida apenas pelas listras de raios
de sol que atravessavam as persianas. Mais urgente que decidir o que fazer da
vida era juntar meu corpo ao dela e sentir um gozo que Deus jamais
proporcianaria.
Nenhum comentário:
Postar um comentário